ENXAQUECA: UMA BREVE REVISÃO

Por Rafael Poloni - Farmacêutico Industrial, Doutorando do Laboratório de Dor do Depto. de Farmacologia da FMRP-USP

Editorial Mensal do site Dor On Line

A enxaqueca (migrânea) é um comum distúrbio debilitante de dor de cabeça, segundo a International Headache Society (IHS). É considerada uma patologia complexa, a qual rotineiramente é confundida com cefaleias – dores de cabeça, mas é uma reação neurovascular, anormal, num organismo geneticamente vulnerável, que se exterioriza, clinicamente, por episódios recorrentes de cefaléia e manifestações associadas e que, geralmente, dependem da presença de fatores desencadeantes.

A enxaqueca costuma provocar dores unilaterais e latejantes e, muitas vezes, náuseas, vômitos, intolerância a sons, luz e cheiros fortes. Sabe-se que a enxaqueca é uma doença multifatorial, com um ou mais fatores desencadeantes, tais como fatores genéticos, consumo de certos alimentos (queijos, embutidos, chocolate, café, adoçantes), sono prolongado, falta de sono, excesso de exposição ao sol, alteração de hormônios, tabagismo, estresse, fome, transtornos de humor (ansiedade, depressão), ingestão de bebida alcoólica, dentre outros.

Esta patologia acomete cerca de 20% das mulheres, com prevalência entre 35 e 45 anos de idade. Além disto, a enxaqueca acarreta, em média, quatro dias perdidos de trabalho em um ano, pois a crise de enxaqueca costuma durar de 4 a 72 horas e, em casos mais raros, a frequência pode ser diária. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a enxaqueca está em 19º lugar entre as doenças debilitantes em todo o mundo. Portanto, a enxaqueca é um fator significante na economia por causa da perda de dias de trabalho e a redução na produtividade individual.

Os mecanismos realmente desencadeantes de enxaqueca permanecem desconhecidos, mas avanços importantes foram alcançados nas últimas décadas. Os primeiros estudos acerca da enxaqueca constam na década de 30 do século XX, desenvolvidos por Wolff (figura 1), o qual enfocou a fisiopatogenia da mesma, lançando mais adiante dois dos principais livros sobre o assunto: Headache and Other Head Pain 1ª edição (1948) e 2ª edição (1963).

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Figura 1: Localização da dor referida a partir do vaso intracraniano estimulado. (Ray e Wolff, 1940)

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Inicialmente foi observado que o diâmetro das artérias do couro cabeludo aumentava durante uma crise de enxaqueca e este fato era temporalmente proporcional à intensidade da dor. Ainda, substâncias vasodilatadoras provocam cefaleia e, ao contrário, a serotonina, conhecidamente vasoconstritora, alivia a dor da enxaqueca. Entretanto, a vasodilatação por si só não parece produzir dor. Por isso, a teoria de Wolff foi bastante contestada. Além disso, também foi demonstrado que dor e vasodilatação nem sempre estão relacionadas (Anderson AR et al., 1988; Zwetsloot CP et al., 1993). Em suma, as drogas até então utilizadas contra enxaqueca eram vasoconstritores ou inibidores da liberação de neuropeptídeos causadores de vasodilatação. Por outro lado, moléculas de óxido nítrico (NO) e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (PRGC) estavam claramente envolvidos.

A partir daí, a enxaqueca começou a ser relacionada, além da vasodilatação, a neurotransmissores e mediadores inflamatórios como, por exemplo, a bradicinina, a histamina, a noradrenalina e as prostaglandinas. Por isso, a fisiopatologia da enxaqueca parece ter participação efetiva de componentes neurais ou neuro-humorais. Ainda, o principal metabólito da serotonina, o ácido 5-hidroxiindolacético, está presente em altas concentrações na urina durante os ataques de enxaqueca (Sicuteri et al., 1961). O avanço dos estudos acerca da enxaqueca levou à teoria neurovascular, a qual relaciona uma inflamação neurogênica ao episódio de enxaqueca. Consequentemente, o uso de anti-inflamatórios é adequado no tratamento de cefaléia primária, ou cefaléia crônica, de apresentação episódica ou contínua e de natureza disfuncional. Segundo Moskowitz (1984) a inflamação vascular é dependente de estímulos neurogênicos, os quais são conduzidos pelo ramo oftálmico do nervo trigêmeo.

A crise de enxaqueca é dividida didaticamente em quatro etapas, diferindo pela sua sintomatologia (figura 2). Na etapa premonitória, período anterior à dor de cabeça, sinais como desejo por determinados alimentos, bocejos, alterações de humor, cansaço e retenção de líquidos são comuns. Estruturalmente, esta etapa coincide com a vasodilatação de vasos cranianos (baixo fluxo sanguíneo cerebral, CBF - cerebral blood flow). Após esta etapa, ocorrem alterações na visão, como embaçamento, pontos ou manchas escuras na visão, linhas em zig-zag e pontos luminosos. Esse conjunto de sinais é denominado aura e costuma durar de 5 minutos até uma hora. Posteriormente, aparece a dor de cabeça, período mais incômodo e por vezes incapacitante da enxaqueca, a qual é iniciada com hipoperfusão dos vasos cranianos e é seguido por hiperperfusão. A dor pode ser acompanhada por náuseas, vômitos, sensibilidade ao barulho, cheiros e luz. Finalmente, ocorre a fase de resolução, onde o organismo tenta se recuperar da dor de cabeça intensa, podendo haver intolerância a alguns alimentos, dificuldade de concentração, dor muscular e fadiga.

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Figura 2: Esquema ilustrativo da enxaqueca com aura. Modificado de Olesen J et al., 1981

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A enxaqueca pode ser dividida em dois subtipos maiores: a migrânea sem aura - a mais comum - e a migrânea com aura. Então, para facilitar e padronizar os critérios de diagnóstico da enxaqueca, a IHS publicou, já em 1988, os dados contidos nas duas tabelas abaixo.

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Tabela 1: Critérios de diagnóstico da enxaqueca sem aura (IHS)

A. Pelo menos cinco ataques preenchendo os critérios de B a D.

B. Ataques de dor de cabeça com duração de pelo menos 4 a 72 horas (não tratada ou tratada sem sucesso).

C. Dor de cabeça com pelo menos duas das seguintes características:

1. Localização unilateral;

2. Qualidade pulsante;

3. Intensidade moderada ou severa da dor (inibe ou impossibilita atividades diárias);

4. Agravamento por (ou causando) repulsa de atividades físicas rotineiras (por exemplo, andar ou subir escadas);

D. Durante a dor de cabeça aparecer pelo menos um dos seguintes sintomas:

1. Náusea e/ou vômito;

2. Fotofobia e fonofobia;

E. Não for atribuído a outro distúrbio.

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Apesar da enxaqueca sem aura ser mais comum, a com aura parece incomodar muito mais e acomete cerca de 20 a 30% dos diagnosticados com enxaqueca

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Tabela 2: Critérios de diagnóstico da enxaqueca com aura (IHS)

A. Pelo menos dois ataques preenchendo o critério B.

B. Aura seguindo um dos critérios abaixo:

1. Sintomas visuais totalmente reversíveis, incluindo aspectos positivos (por exemplo, luzes piscando, manchas ou linhas);

2. Sintomas sensoriais totalmente reversíveis, incluindo aspectos positivos (por exemplo, alfinetes e agulhas) e/ou características negativas (dormência);

3. Distúrbio do discurso disfásico totalmente reversível;

4. Sintomas visuais homônimos e/ou sintomas sensoriais unilaterais;

5. Pelo menos um sintoma de aura desenvolvido gradualmente ao longo de, ao menos, 5 minutos e/ou diferentes sintomas de aura ocorrem em sucessão em 5 minutos ou mais;

6. Cada sintoma dura no máximo 60 minutos;

7. Disartria;

8. Vertigem;

9. Zumbido;

10. Hipoacusia;

11. Diplopia;

12. Sintomas visuais simultaneamente nos campos temporal e nasal de ambos os olhos;

13. Ataxia;

14. Diminuição do nível de consciência simultaneamente com parestesia bilateral

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O tratamento da enxaqueca é bastante difícil, pois envolve muitos pacientes não responsivos aos medicamentos utilizados como primeira escolha. A terapia medicamentosa pode ser dividida em sintomática aguda e profilática. Os triptanos, potentes agonistas de receptores de serotonina (subtipos 1B e 1D), parecem ser o “padrão ouro” na terapia de episódios agudos, com efetividade oral de 29 a 74% dos pacientes. Eles são indicados quando simples associações de analgésicos comuns não funcionam mais. O sumatriptano foi o primeiro medicamento desta classe utilizado para tratamento de ataques agudos de enxaqueca. O almotriptano, um medicamento mais recente desta classe, parece ser ainda mais eficiente que o sumatriptano nos ensaios pré-clínicos e clínicos. Esse parece aliviar a enxaqueca em aproximadamente 30 minutos.

Todavia, os maiores avanços no tratamento da enxaqueca foram na utilização de antagonistas dos receptores dos PRGC. A estimulação experimental do sistema trigeminovascular desencadeia liberação de PRPC, causando vasodilatação local e inflamação da parede dos vasos sanguíneos da dura-máter. Além disso, há níveis elevados destes peptídeos no sangue venoso da jugular externa durante ataques de enxaqueca.

Já existem medicamentos eficazes no tratamento da enxaqueca que interferem em canais iônicos, tais como valproato, topiramato, verapamil e lamotrigina. Além disso, drogas que bloqueiam a ativação das células gliais parecem ser promissores, como por exemplo, a naltrexona, a naloxona, a minociclina e o ibudilast.

Entretanto, como todos os outros medicamentos, os fármacos para tratamento da enxaqueca possuem efeitos colaterais e adversos e, alguns deles, preocupantes. Os antagonistas dos receptores dos PRGC têm se mostrado muito eficazes, seguros e com alta tolerabilidade. Entretanto, o uso destes tem acarretado aumento nos níveis de transaminases hepáticas em uma minoria de pacientes que tomam o medicamento duas vezes por dia por três meses.

O uso de agonistas dos receptores de serotonina, os triptanos, é limitado devido à potente atividade vasoconstritora deste neurotransmissor. Por isso, esta classe de medicamentos deve ser utilizada com muita cautela em pacientes com problemas cardiovasculares. Inclusive, estas drogas devem ser contraindicadas em pacientes com doenças cardíacas, prévio infarto do miocárdio, histórico familiar ou pessoal de ataque isquêmico transiente ou derrame, doença vascular periférica e pressão sanguínea alta não controlada.

Um estudo apresentado no 136º Encontro anual da American Neurological Association (ANA) demonstrou que aproximadamente 20% dos 1200 participantes com enxaqueca usam um ou mais triptanos mesmo tendo contraindicações cardíacas. Inclusive, a maioria dos pacientes que vieram a falecer por problemas cardíacos usavam triptanos. Portanto, fica bem clara a contraindicação dos triptanos para os pacientes que têm qualquer tipo de histórico e/ou problema cardiovascular. Para estes casos, há alternativas mais interessantes que os triptanos, tais como os anti-inflamatórios não-esteroidais, lembrando que doses baixas de ácido acetilsalicílico não têm efeito para enxaqueca e doses muito elevadas favorecem sangramentos e outros eventos adversos. Alternativas adicionais estão ancoradas ao uso de derivados ergóticos, opióides e barbitúricos.

Enquanto não há consenso sobre as verdadeiras causas e fisiopatologia da enxaqueca, todo e qualquer estudo será válido e muito bem-vindo pela comunidade científica e louvados pelos tantos milhões de pessoas ao redor do mundo que sofrem desse terrível mal.

Referências e fontes:

  • http://www.einstein.br/espaco-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-enxaqueca.aspx

  • http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u4202.shtml

  • Graham JR, Wolff HG. Mechanism of migraine headache and action of ergotamine tartarate. Arch Neurol Psychiatry. 1938; 39:737-763;

  • Ray BS, Wolff WG. Experimental studies on headache. Pain-sensitive estructures of the head and their significance in headache. Arch Surg 1940; 41(4): 813-856;

  • Andersen AR, Friberg L, Olsen TS, Olesen J. Delayed hyperemia following hypoperfusion in classic migraine. Single photon emission computed tomographic demonstration. Arch Neurol 1988; 45(2):154-9;

  • Zwetsloot CP, Caekebeke JF, Ferrari MD. Lack of asymmetry of middle cerebral artery blood velocity in unilateral migraine. Stroke 1993;24(9):1335-8;

  • Sicuteri F, Testi A, Anselmi B. Biochemical investigation in headache: increase in hydroxyindolacetic acid excretion during migraine attacks. Int Arch Allergy 1961; 19: 55-59;

  • Moskowitz MA. The neurobiology of vascular head pain. Ann Neurol. 1984 Aug;16(2):157-68;

  • Olesen J, Tfelt-Hansen P, Henriksen L, Larsen B. Common migraine may not be initiated by cerebral ischemia. Lancet. 1981;II:438-440;

  • Headache Classication Committee of the International Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia. 1988;8 (Suppl 7):1-96;

  • International Headache Society. Classification Migraine. http://ihs-classification.org/en/02_klassifikation/02_teil1/01.00.00_migraine.html

  • http://www.medscape.com/viewarticle/751484?src=mp&spon=30

Veja mais nos documentos complementares A , B e C

NOTA EXPLICATIVA: O que é Acupuntura? A Acupuntura é uma técnica milenar da Medicina Tradicional Chinesa, bem como a auriculoterapia, moxabustão, ventosaterapia,an-ma e a reflexologia, dentre outras. É considerada como uma medicina alternativa ou complementar. Os pontos da Acupuntura utilizados nas sessões tratam desde uma lombalgia até problemas mais graves. Os pontos de Acupuntura atuam também de forma bastante eficaz sobre as dores, stress, vícios e na estética - acupuntura estética. O acupunturista integra os esforços da fisoterapia, da homeopatia, da medicina convencional e de inúmeras outras áreas, incluindo aí demais especialidades abarcadas pelas terapias alternativas. A Eidos Acupuntura e Medicina Chinesa está sediada em Curitiba, Paraná. Em nossa clínica o acupunturista utiliza principalmente a técnica chinesa complementada por outras técnicas milenares igualmente fundamentadas nos pontos de Acupuntura para proporcionar saúde, beleza, bem-estar e qualidade de vida aos nossos pacientes.